Antes de começar o texto, quero deixar claro que ele não é jornalístico. Se trata apenas das minhas percepções do que está acontecendo. O que eu vi – e não o que foi compartilhado nas redes sociais.
Quando recebi as primeiras mensagens no WhatsApp informando que não haveria policiamento nas ruas, eu estava passeando tranquilamente em algum canto de Minas Gerais. Meu comportamento padrão é não dar a mínima para esse tipo de mensagem – e foi o que eu fiz.
No domingo (05), eu peguei um avião para voltar para Vitória. Devido às outras crises, peguei uma conexão em Congonhas – e foi aí que comecei a dar atenção às mensagens. Minha mãe e minhas irmãs estavam super preocupadas com o meu retorno, pediam para eu não dar bobeira e minha mãe me disse que me buscaria no aeroporto. Inicialmente, entendi que a ideia era me proteger: se ela me buscasse, eu não precisaria ficar esperando o táxi ou Uber e poderia vir logo para casa.
Eu tenho o mau hábito de tirar o celular do modo avião antes do aviso do piloto. Isso posto, antes de eu sair do avião já tinha uma porção de mensagens da minha família e minha mãe me ligou antes mesmo das portas se abrirem. Ela dizia que a cidade estava como nos western movies e que achou mais seguro não sair de casa e me implorou que pegasse um táxi e viesse logo para casa.
Acredito que todos estavam assustados. Havia uma enorme fila para pegar táxi. A taxista disse que a cidade estava uma loucura. Que viu muita gente armada e, inicialmente, pensou que fossem policiais. Ficou muito assustada ao perceber que eram, na verdade, bandidos.
Durante o trajeto até minha casa, vi pouquíssimos carros e nenhum bípede. A taxista avançou uma porção de sinais. Embora já passasse das 22h, esse tipo de comportamento não é muito comum. Ela também mal me esperou entrar no prédio, arrancou com o carro tão logo eu abri a porta para entrar.
Minha mãe não parava de me ligar. As distâncias em Vitória são muito curtas. Aparentemente, Dona mamãe achou que demorei muito e me ligou quatro vezes da hora em que o avião pousou até a hora em que cheguei em casa.
Uma amiga me mandou mensagens perguntando como estavam as coisas aqui perto da minha casa. Na minha rua tem uma hamburgueria e uma pizzaria. A pizzaria, famosa por fechar tarde, estava com as luzes todas apagadas e os funcionários ainda na varanda, prontos para ir embora. Havia também poucos carros. A taxista informou que todos os bares e restaurantes estavam fechados.
A sensação que eu tive foi de pânico e histeria generalizados. Comecei a pesquisar com calma nos jornais o que estava acontecendo e qual era a previsão para a segunda-feira.
O que eu entendi foi: familiares e amigos de PMs fizeram piquete em frente aos quarteis e não permitem a saída de viaturas; consequentemente, a população começou a sofrer assaltos, assassinatos e as lojas sofreram saques; não há segurança.
Fui aconselhada a não ir trabalhar. Ao acordar, procurei saber se a empresa na qual trabalho havia se manifestado em relação ao assunto, mas fiquei sem resposta. Me informei e vi que os ônibus municipais estavam circulando normalmente. Me arrumei e fui trabalhar – embora não houvesse apoio dos meus familiares e nem dos meus amigos.
Comecei a entender melhor a gravidade da coisa ao notar que a maior parte do comércio estava fechada. No caminho,vi uma ou outra loja que fora arrombada e saqueada na noite anterior. Vi poucas pessoas e carros na rua. Ao chegar no trabalho, fui recebida com cara de espanto. Os colegas me diziam O que você está fazendo aqui? Vai para casa!!. Ninguém sabia informar se a agência abriria ou não.
A diretoria se manifestou bem depois das 10h e ainda assim a agência não funcionou em sua plenitude. Apenas um dos caixas foi trabalhar e eu fui fazer serviço interno, porque era preciso. Mesmo assim, a maioria dos colegas foi para casa, embora a ordem era de que trabalhássemos normalmente.
Estava estranho. Não vi ambulantes na rua. As pessoas estavam tensas e, mesmo no centro da cidade, pouquíssimas lojas estavam abertas. Elas tornaram a fechar muito antes das 13h.
Como não havia comércio, pedi à minha mãe que me levasse almoço. Quando fui para a porta esperar por ela, entendi um pouco melhor o cenário. Muita gente nos pontos de ônibus querendo retornar às suas residências. Muita gente à toa na rua. Os carros numa velocidade acima do normal. Peguei meu almoço e voltei pro trabalho.
Me deram então a oportunidade de vazar. Comi, terminei meu trampo e pedi pra minha mãe me buscar. Eu seria liberada espontaneamente às 14h, mas decidi ir às 13h. Já não me sentia segura para esperar um ônibus. Inclusive, se ali no centro da cidade já estava tão estranho, imaginei que no bairro em que moro não houvesse uma alma penada na rua.
Ninguém parava no sinal, todo mundo com direção ofensiva. Minha mãe falando bem mais rápido. O movimento das pessoas era nitidamente o de retornar às suas residências e se trancar lá dentro – meu deus socorro não quero sair de casa nunca mais. Orientei minha mãe a não parar se alguém se enfiasse na frente do carro. Desci na frente do meu prédio e estou no meu quarto ever since.
Embora tenha ouvido muitos relatos de tiroteios, não ouvi e nem presenciei nenhum. Uma amiga teve o carro levado. Uma amiga viu uma loja ser saqueada. Eu vi loja que passou por saque. Um colega de trabalho foi assaltado no caminho de casa. A maioria das pessoas não saiu para trabalhar.
Como a notícia foi de que os ônibus cessariam às 16h, a maior parte das pessoas que conheço foi liberada às 14h. Aparentemente, os ônibus não retornam enquanto a PM não retornar. Com isso, não consigo sair para trabalhar amanhã. Guardamos as bicicletas e estou torcendo para encontrar meu carro inteiro na garagem quando eu tiver coragem de descer até a garagem.
Enquanto ainda tenho comida, não há motivo para pânico. Decidi ficar em casa amanhã. Vamos ver o que acontece até lá.